quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Diversificação à la Peter Lynch - Faz sentido no Brasil?

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Tempo de Leitura: 10min


Diversificação x Concentração. Essa é uma discussão tão acalorada quanto "Preço importa para o pequeno investidor?" (esse será o tema de uma postagem próxima). Haverá "especialistas" defendendo os dois lados, cada um apresentando seus argumentos. Um dos maiores investidores de todos os tempos, o americano Peter Lynch, é um ávido defensor da diversificação.

Peter Lynch é um ex-gestor de fundos de investimento americano, famoso pela gestão do fundo Fidelity Magellan, durante a qual o fundo obteve um retorno médio de 29% a.a. por 13 anos.



Retorno de $1 investido no fundo de Peter Lynch x S&P 500 (Fonte: The Personal Finance Engineer)

Em seu livro, "One Up On Wall Street" (na versão em português "O jeito Peter Lynch de investir"), o famosos gestor destrincha, de modo simples e acessível, a estratégia empregada para conseguir tamanho retorno. Esta obra será objeto de análise futura neste blog.
Um dos aspectos mais interessantes da abordagem de Lynch é que, diferente de investidores como Charlie Munger e Warren Buffett, Lynch prega que uma grande diversificação, que até pode ser entendida como pulverização, é boa para o investidor. É até dito no livro que circulava o boato em Wall Street que não havia ação que Peter Lynch nunca teve em seu portfólio.
Dentro da estratégia de diversificação, Lynch divide as empresas em 6 modelos, ou arquétipos:
  • Crescimento lento (slow growers): Como o nome sugere, são empresas que não tendem a apresentar, no longo prazo, um ritmo acelerado de crescimento; empresas que já são muito consolidadas no seu mercado e não possuem muito mais mercado para capturar, ou então empresas que prestam serviços de utilidade pública ("utilities"), como saneamento básico e energia elétrica, são exemplos que tipicamente se enquadram nessa categoria. Por muitas vezes não necessitarem de capital intensivo, costumam ser boas pagadoras de proventos. No Brasil, isto se observa no segmento de Transmissão de Energia Elétrica.
  • Crescimento moderado (stalwarts): São empresas que, apesar de consolidadas, conseguem apresentar um crescimento de longo prazo sustentável, algo como 10%-12%. Este tipo de companhia tende a ser muito bem vista numa alocação de portfólio mais conservadora, pois no longo prazo tendem a entregar resultados bem superiores ao custo de oportunidade, com a segurança de uma presença de mercado consolidada, e um balanço financeiro sólido. Empresas como Coca Cola e P&G se enquadram nesta categoria.
  • Crescimento rápido (fast growers): São empresas que praticam estratégias agressivas de crescimento, seja de modo orgânico ou via aquisições (M&A). Este tipo de empresa é normalmente considerada numa alocação de portfólio mais arrojada, visto que apresenta riscos consideráveis, tais como:
    • Má alocação de capital por parte da gestão;
    • Dívida pode sair do controle;
    • Normalmente inseridas em indústrias de ritmo veloz, como tecnologia, podem ficar defasadas da concorrência em pouco tempo, dependendo da conjuntura.
  • A estratégia de investimento em fast growers, quando baseada em uma tese de investimento bem fundamentada, tende a apresentar resultados muito mais expressivos que nas stalwarts ou slow growers. Um exemplo deste tipo de companhia na bolsa brasileira é a Sinqia (SQIA3), uma empresa que desenvolve soluções tecnológicas para o segmento financeiro, e que empregou uma estratégia de crescimento acelerado via aquisições muito acertada, o que gerou resultados melhores, refletindo em uma expressiva valorização dos papéis.
  • Cíclicas (cyclicals): São as empresas que negociam produtos, normalmente commodities, que seguem um ciclo de mercado já conhecido. O preço da commodity varia ao longo do tempo, causando redução de resultados na baixa do ciclo e aceleração de resultados na alta do ciclo; essa montanha russa normalmente é observada no valor das ações destas empresas. O investimento neste tipo de empresa normalmente baseia-se na tese de comprar o ativo no momento de maior stress, ou seja, na baixa do ciclo, e segurá-lo por algum tempo (leia anos, normalmente) até o momento de inflexão, inversão de tendência. Na alta do ciclo, o papel pode ser vendido com um lucro expressivo. Para que essa estratégia funcione consistentemente, é necessário um conhecimento profundo do comportamento das commodities, o que muitas vezes implica em entendimento de aspectos socioeconômicos e geopolíticos das nações.
  • Situações especiais (turnarounds): São as empresas que passaram por momentos difíceis, de resultados ruins, mas que de alguma maneira colocaram em prática estratégia para mudar este quadro; esta estratégia pode ser austeridade, mudança na gestão, marketing, público alvo, etc. As ações destas empresas, antes do turnaround, costumam estar extremamente estressadas e depreciadas, representando uma barganha caso o turnaround se complete. Executado com maestria, o turnaround pode representar um ganho de capital assombroso para o acionista, porém é uma estratégia bastante arrojada, pois muitas vezes os riscos de que a estratégia não seja assertiva são bastante elevados.
  • Empresas de ativos (asset plays): São as famosas "cigar-butts" que o Buffett comprava no início da carreira. São empresas que estão com os papéis tão depreciados que podem ser comprados por um preço muito inferior ao patrimônio que representam; dessa forma, num cenário de falência e liquidação da empresa, o investidor poderia receber muito mais do que pagou pelo papel. Não é necessário dizer que o investimento neste tipo de ativo é bastante arrojado, pois nem sempre o valor patrimonial que consta no Balanço Patrimonial será obtida numa eventual liquidação da companhia (este aspecto é abordado a fundo no livro "Value Investing: from Graham to Buffett and beyond").
Esta classificação é bastante ampla e enquadra 99% das empresas existentes. Diante disso, fica a pergunta que motivou este post:

"Ok, mas essa diversificação faz sentido no Brasil?"

Como quase tudo que envolve investimento em valores mobiliários, a resposta é: depende da estratégia. Particularmente, eu não creio que a diversificação por si, ou seja, comprar diversas empresas indiscriminadamente, garanta uma mitigação de riscos ao investidor médio. E é aqui que entra a grandeza da análise de Lynch.

Ao enquadrar as companhias em categorias, e pensar na diversificação do portfólio em termos de tipos de companhia, e não em termos de número de companhias em si, o investidor está praticando a verdadeira diversificação, pois está expondo seu portfólio a diferentes ciclos de negócio. Assim sendo, partindo da premissa que raramente todos os setores performarão mal no mesmo período, a diversificação em tipos de empresas faz com o investidor médio tenda a ter, na maior parte do tempo, pelo menos alguma parte do seu portfólio performando bem. Por exemplo, se o setor de tecnologia está prosperando (vide bancos digitais de hoje) e o setor de mineração está na baixa, um investidor que esteja exposto aos dois pode observar o ganho de um compensando a perda em outro, garantindo uma boa performance média ao longo do tempo. Além da compensação, este cenário pode abrir oportunidade para realocação de portfólio: uma empresa do segmento em alta que se torne sobrevalorizada pode ser vendida com lucro, sendo tal lucro utilizado para se alocar nos ativos (de qualidade) subvalorizados. No "rebound" do mercado, o investidor que fizer esta troca terá um ganho ainda maior. Este rebalanceamento é saudável e natural dentro da estratégia de diversificação.

CONCLUSÃO:

Para quem não pratica Focus Investing (abordaremos esta estratégia em breve), faz todo sentido a diversificação à la Peter Lynch, pois dessa forma será possível garantir uma real diversificação, ou seja, exposição a ciclos econômicos distintos, que podem abrir grandes oportunidades de ganhos de capital consistentes ao longo do tempo.


2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado, Charlie! Em breve, teremos mais artigos sobre Lynch e outros investidores de sucesso! Já conferiu nosso artigo sobre MagaLu? Forte abraço!

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